quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Intervalo

Depois de um dia escravizado, atado nas correntes das demandas de meus freelas e da minha vida, enfim, um momento para a improdutividade. TV desligada, cortinas fechadas, sozinho em casa. O silêncio da pausa. São Paulo acontece lá fora. No sofá eu me entrego ao nada, a não-existência, ao mundo que parou e se esqueceu de ser mundo. Ao mantra e à liturgia da imobilidade.

São Paulo é Londres ou é São Paulo. Cinza e nublada é tão londrina que não seria de estranhar encontrar Paul McCartney na esquina da Juscelino com Faria Lima. Com 28 anos de Rio de Janeiro, não me recordo de avenida ou rua carioca de nome JK, homem que nos despromoveu de capital federal a simples município. Segundo plano?

E qual é o plano? A vida não tem plano. Você faz um plano, dois, três, um milhão. E pode perder meia dúzia aqui, dois milhares ali, oitocentos acolá. Chega uma hora que se dá conta de ter perdido todos os planos, ainda que fossem um milhão, e não tem ideia sobre como recuperá-los.

Tenho reparado que venho, há algum tempo, usando muito a expressão “se dá conta” nas matérias que escrevo para revistas. Se o leitor topar com um texto que contenha a expressão, é capaz de ser meu.

Talvez por não saber fazer conta com a precisão de um engenheiro, ou economista. Talvez por volta e meia dar meia volta; e me dar conta de algo que eu ainda não havia percebido. E só percebi agora. E só percebi ao escrever. E só percebi quando conversei com você, ou com ele, ou com ela. Ou no ônibus.

Eu percebi que já encontrei em São Paulo duas avenidas chamadas de Brigadeiro, mas às vezes a vida aqui não é doce. Pode ser amarga, desachocolatar o coração e granular a alma.

É por isso que, depois de um dia cansativo como hoje, vou deitar no sofá e espantar a baixa temperatura me cobrindo com as almofadas. Prazer maior do que sofá confortável é se cobrir com as almofadas, para sentir o frio quadrado, pegando nos joelhos e cotovelos. Depois das 18 horas, é momento de louvar o ócio, no ritmo do descompasso de quem pega no sono, não sonha com nada e, ainda que por um tempo breve, esquece a vida.

(por Eduardo Shor)

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