quarta-feira, 28 de abril de 2010

São Paulo, estou aqui

São Paulo, estou aqui. E você não me vê. Já andei na Paulista, já peguei o metrô, já almocei às três da tarde, depois da reunião.Você não me vê. Talvez porque eu seja cinza. Talvez porque eu pareça insosso. Será que o motivo são essas palavras transparentes que saem da minha boca, cujo céu está nublado? Carioca, não chora. Não chove, carioca. Mas eu não choro. Não choro, por falta de ombros. Tenho dois. Dois que me pesam e encurvam. Só que, para chorar, os meus não bastam.

Por isso, saí pela cidade à procura de ombros alheios. Não encontrei par no qual coubessem as lágrimas, nem a chuva. Ora eram mais altos, ora mais baixos. Ora os meus olhos não acomodaram, quando encaixava a testa. Algumas vezes, as orelhas não tive onde aquecer. São Paulo, estou aqui. E você não me vê. Talvez porque eu seja cinza. Talvez porque eu pareça insosso. Meio cinza e meio insosso. Meio assim, pela metade. Meio assim, à beira do precipício, ou no fundo do poço.

Um poço dos desejos. Um homem se aproximou e disse em voz baixa, sem bem enxergar que eu habitava o fundo. Uma mulher pediu, à sua maneira. Uma senhora escondeu o canto dos lábios com a bengala, para que ninguém desconfiasse o que pleiteava. A menina que a acompanhava nem mudou as expressões. Suplicou com o pensamento. Os sonhos desceram iguais a bolas de sabão. Lá embaixo, peguei todos, como se fossem meus também. Passei a ter os sonhos de todo o mundo. Todo o mundo que se debruçava sobre o poço dos desejos.

Sonhos são leves. Pesado é concretizá-los. São Paulo, estou aqui. E você não me vê. Talvez porque eu tenha me perdido pelas ruas do Centro, que ainda não conheço bem. Ou pela confusão do seu pensamento, onde apareço e desapareço, qual um rosto conhecido observado à distância, na multidão. Eu não sabia que pedestre parava no sinal vermelho, e carro pedia licença. Há gente que buzina no ouvido. Eu não sabia que casa morava na calçada, e ponte debaixo do homem. Eu não sabia que, além dos automóveis, o humor também fazia rodízio. Semana passada eu estava feliz, nesta fiquei triste. Pode conferir pela minha placa.

Placa tectônica. Senti o terremoto com epicentro em alguma cidade do continente. Destruiu tanta coisa que não sei se aconteceu dentro de mim ou fora. Uma das minhas melhores ideias foi soterrada. Um dos meus planos foi atingido na queda de duas árvores pesadas. Tremi nas bases, nas brasas, nos beijos dos lábios que estavam aqui agora mesmo, mas não sei onde foram parar. São Paulo, onde estou mesmo? Por que é que você não me vê?

terça-feira, 6 de abril de 2010

Deu vontade de sair escrevendo

Deu vontade de sair escrevendo. Sair garranchando. Riscar a folha de papel que não é mais folha. O que é folha de papel que não é mais folha é byte? É mata a cobra e mostra o byte? Mostra o bote? Bote fé na vida é mole? Rebole bole, dá um bolo e dá um blog e dá um gole, que eu to com sede. Eu já to verde de fome, eu já to um gato preto. Vermelho na conta. Na cova. No suvaco. Uma sova. Uma ova. Eu já to cinza. Pinga. Uma pinga na garganta, solta, canta a franga. Có, có, ró, có nasceu o dia. Levanta que o primeiro é pro santo e toda santa ajuda. Madruga. Desperta que se não der aperta. O cinto sinto muito aperta. Vê se enrola, adia, desculpa, vê se cola o beijo na boca. O queijo no rato. No rabo. No nabo, banana no café com leite. Deleite doce. É cedo. Bote fé, bote café com adoçante na loteria. Ria. Sonha. Capricórnio dia bom pro amor. Escorpião dia bom pra solidão. Astrologia. Liga a tevê, mevê. Abre o jornal. Mata o bote e mostra a cobra. Deu bode. Deu zebra. Cobra o que lhe devem, cabra. Deu zero. Abra. Cubra. Dobre. Abracadabra. Mata a mostra e mostra o mastro. O astro refletido no mar. Deu bagre. Luaguada azul marinho entrenuvens salgada foi ontem à noite. Hoje já é manhã. Já é manha. Hoje já é amanhã. Hoje já arranha a mão, formiga o pé. Hoje já é.

Deu vontade de sair escrevendo. Sair garranchando no muro. Dane-se. Doe-se. Vamos destruir a cidade. Até que não sobre pedra sobre pedra. Prédio sobre prédio. Podre sobre podre. Sobremesa sobre mesa no prato, no pranto, no pires. Respire. Repare. Respeite. Pare. Continue, antes que a cidade destrua a gente de toda idade. Verdade nua e crua. Na rua, na minha, na sua. Deu na internet, falaram que a cidade vai destruir a gente. Doeu na internet. Interna a cidade. Me interna junto. Me separa por assunto. Vai braço, vai perna, cabeça, ideia, joelho em desconjunto pra outra, pra ostra, pra crosta terrestre. E outra parte pra Marte, pro sertão e pro agreste. Pra longe. Enterra a cidade. Interna. Loucura tem cura? Amor tem procura? A noite é clara, a manhã é escura. A terra é molhada, o mar é secura. Carinho não vem por caridade. A lua é amarela e o sol é branco. O que primeiro não pega só pega no tranco. E rola o barranco. E ecoa o berro. O erro. O ferro. A água esfarela e a farinha evapora. O que eu vivo aqui dentro ninguém sente lá fora.

Deu vontade de sair escrevendo, sem interrupção. Como se não tivesse mais opção. Deu vontade de deixar o sonho me levar. Deu vontade de ser vento e inventar. De ser quem eu queria ser, antes de me danar. Nadar no rio, no fundo, debaixo da cachoeira. E o mundo ficar mudo. A água em volta do ouvido. Tudo menos dolorido. Tudo menos cidade e mais natureza. Mais liberdade e menos represa. Faz de concha que pode. Faz a conta, vê se dá e se apronta. Faz a mala e vem comigo. Faz da alma o seu motivo. Pro que sangra, curativo. Pro amor se manter vivo. Mas só vem se tiver certeza. Mas só vem se for pra embarcar na mesma correnteza.

(por Eduardo Shor)