sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Produtividade

O texto de hoje é do engenheiro carioca Daniel Levitan, de 28 anos. Ele já morou cerca de um ano em Buenos Aires, na Argentina, a trabalho, e o mesmo motivo o traz a São Paulo, para uma temporada de um mês. Há algumas semanas na cidade, Daniel escreve:

A correria, o dia-a-dia, isso São Paulo não te ensina, ela te aguça.

Trabalhar em consultoria tem disso. Ela te faz conhecer pessoas diferentes, lugares diferentes. Se por um lado tira o convívio da família, por outro te dá o convívio do mundo.

Projeto dentro de um banco, especificamente na área tecnológica, ou a “fábrica” do banco comercial. As pessoas chegando pontualmente. Enormes filas para identificação na portaria mal dimensionada. Oportunidade para venda de projetos de melhoria de processos.

Produtividade. Tempo. Postura. Conduta. Vestimenta. Terno. Sentado em um banco baixo, feito de alguns pedaços de madeira que mostravam não se encaixar bem, um engraxate. Dentro de uma sala do moderno complexo comercial. Concentração, o ofício em primeiro plano.

Braços negros musculosos, cenho franzido, movimentos rápidos demonstrando a pressa de terminar o serviço no sapato em questão e já atacar o próximo na fila.

Completamente alheio ao que se passava na sala o engraxate se concentrava em seu ofício. Incerto e inseguro. Dependendo da boa vontade das pessoas que lhes deixasse ingressar no complexo comercial para exercer seu ofício.

O mundo moderno nos ensina e nos deprime. Mostra a perseverança, mas entristece pelo enorme poder simbólico.

No mundo da informação, onde a formação é talvez mais que a personalidade de uma pessoa, determinante para o emprego e boa remuneração. Possibilidade, portanto, de criar a família, um sujeito demonstrando o total despreparo exibe seu lado mais cruel.

A diferença social, marcada pela falta de instrução, pelo distanciamento provocado pela maneira como chegou ao Brasil, e sobretudo sua condição.

Cada conversa, cada imagem nos remete à frágil sociedade na qual estamos.

João conseguiu o dinheiro para comprar a comida dos próximos dois dias.

domingo, 11 de outubro de 2009

Domingo (parte final)

Alex não era bonito. Ao contrário, muitos diriam que era feio mesmo. Ela, no dia que o conheceu, também achou. Mas, hoje, brigava quando falavam algo do tipo a seu respeito. Sempre dizia:

- Ele é um dos caras mais bonitos que já conheci.

E realmente achava. Não metaforicamente apenas. Achava.

Conheciam-se há dez anos. Brigaram uma vez, quando tinham 16. Os dois, muito competitivos, tiveram uma discussão áspera por causa de um jogo de sua época, chamado “Imagem e Ação”. Ana tinha certeza de que não era permitido usar o alfabeto, nenhuma letra! Ele insistiu no contrário. Brigaram e ficaram várias e intermináveis horas sem se falar.

Depois voltaram. Falaram-se como se nada houvesse acontecido.

E esta foi a briga que tiveram.

Ana pensava em Alex como um irmão. Gostava dele de uma forma infinita, muito terna. Mas não era sexualmente atraída por ele. Ao contrário, houve um período em que Alex foi realmente apaixonado por Ana, nos idos dos anos 90. Este período passou. Passou de todo coração. E Alex via Ana como uma irmã.

- O que você tem feito de bom?
- Trabalho. Trabalho.
- É, eu também.
- Gosto do meu trabalho, só que às vezes sinto falta da arte.
- Eu estou bem. Gosto muito do que faço. Trabalho demais, às vezes me estresso, mas não consigo pensar na vida de outra forma, contou Alex.

E ficaram conversando por algumas horas, uma conversa de quem se vê sempre. Uma conversa que não indicava que há muitos meses eles nem se falavam, pelas distâncias da vida.

Quando Alex teve que ir embora para encontrar a menina, Ana estava feliz, apenas por ter encontrado o amigo. Sentia-se outra. Mais confiante, a Ana de antigamente.

Era engraçado. Ana tinha convicções muito fortes sobre a vida. Sabia muito sobre o certo e o errado, o bom e o mau, o querer e o não-querer. Aquele ano sozinha em São Paulo abalou suas certezas. E o contato com Alex fazia com elas voltassem, ao menos por algum tempo.

(por Nira Bessler)

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Domingo (parte II)

Quando, enfim, tomou um banho e se arrumou para sair, já eram mais de duas da tarde.

Foi à livraria FNAC da Paulista. Morava a uma quadra da avenida, na Campinas, do lado menos nobre, o centro. Havia lido em algum lugar que a FNAC não gostava de ser chamada de “livraria”, porque era mais do que isso. Não gostou. Pensava: o que pode ser “mais” do que uma livraria? Nunca deixou de ir, entretanto.

Comprou o jornal e sentou no café da livraria. Leu o jornal de ontem, com notícias de anteontem, como já dizia o poeta. Essas coisas rápidas dos tempos de hoje, às vezes a incomodavam. Principalmente aos domingos. Não navegava na internet, sequer ligava o computador nos fins de semana. Era uma regra que se impôs.

- Naninha!

Virou. Só seus amigos mais próximos e antigos a chamavam assim. Mal acreditou quando viu Alexandre. Amigo de colégio. Graaande Alex!, respondeu.

Que saudade! Que saudade! Era o afeto de que precisava. Alex sempre foi um de seus amigos mais inteligentes e afetuosos. Não daquele afeto superficial, sem compromisso. Mas de um amor real, que sempre estava presente quando um de seus queridos precisava.

Ao mesmo tempo, sabia ser sarcástico e irônico quando queria. Tinha um discurso cínico, que não combinava com seu jeito de ser. Quem o conhecia, sabia.

- Naninha, que saudade!
- Puxa, você veio para Sampa e nem me ligou...
- Vim a trabalho na sexta, ia voltar no mesmo dia, mas decidi ficar mais alguns.
- Entendi. Que bom te ver! O que você vai fazer hoje? Está sozinho?
- Vou encontrar uma menina mais tarde. Conheci num barzinho na sexta.
- Entendi. Legal! Senta aí. Vamos tomar café juntos.

Sentiu as ondas de afeto, a delicadeza do sentimento que dá sem pedir retorno, e sentiu-se como uma bateria quase vazia colocada em uma tomada. Feliz. (confira amanhã a última parte)

(por Nira Bessler)

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Domingo

O texto de hoje é da jornalista carioca Nira Bessler, de 30 anos. Ela está desde fevereiro de 2004 em São Paulo. Veio para a cidade a trabalho e atua na área de relações com investidores de um banco. Confira:

Um depois do outro. Para baixo e para cima. Esticados e dobrados. Unhas brancas. Pés gelados. Olhando para eles, Ana pensava no que faria aquela tarde.

Acordara minutos antes ao som do alarme antibombas da Paulista. Nunca entendera direito para que um alarme antibombas em momentos de paz, em um país que nos tempos recentes não conheceu a guerra (à parte a urbana).

De qualquer forma, por motivos bem pessoais, gostava daquele alarme. Ele impedia que ela dormisse demais aos domingos. Meio-dia estava sempre de pé. Ou ao menos de olhos abertos.

Naquele domingo, 10 de abril de 2005, ela ainda não havia levantado da cama. Olhava para seus pés, pensando aonde os levaria naquela tarde.

Sempre precisava ao menos de uns 20 minutos para sair da cama. O momento de acordar era o pior de seu dia. Preguiça. Não era uma mulher diurna.

Contraditoriamente, odiava, sim a palavra é odiar, odiava fazer nada.

Levantou.

Apartamento de um quarto grande até, para os dias de hoje. Estava de bom tamanho para alguém sozinha.

Os pés gelados no chão, andava pela casa. Há um ano chegava a Sampa. Achou que seria uma reviravolta na sua vida. Não teve medo. Estava cansada no Rio, sentindo-se empacada.

Realmente, a reviravolta veio. Não foi exatamente como ela imaginava. Foi o fim de sua infância protegida. Não sabia que o tempo atual era bem diferente do tempo da casa dos seus pais.

Viveu em casa os amores fraterno e paterno. Conheceu a ética, o bem-estar, as brigas e revoltas também, é verdade. Mas tudo com muito respeito.

Criança que era, achava que conhecia o mundo, esnobava a ingenuidade e tinha certezas “absolutas”. Achava que a mentira era para poucos, vejam só. E o pior. Acreditava que era forte. Que se virava sozinha. Que sempre saberia o que fazer. Que o afeto era fácil.

Em Sampa, conheceu a solidão. E não estava sozinha. (continua amanhã)

domingo, 4 de outubro de 2009

Céu azul (continuação)

Um grupo de pássaros cruzou o seu inconsciente, piando cheiro matutino de lírios. Uma corrente de ar fresco acariciou-lhe a testa, em um sussurro de quem diz eu te amo como prova de amor sincero e único. Desse que todos sonham para si, sem sofrimento.

O homem ultrapassara a Avenida Paulista havia algum tempo. O que eram quinze minutos passou a três horas, cinco, seis. Desocupara-se com o preço do aluguel, a conta de luz, a falta de convites, a falta de emprego, o que os outros vão pensar, a sobrinha doente, o futuro, o almoço de amanhã, o desconhecido, a demora do elevador, o ônibus que tomou errado, a incerteza, o futuro, o metrô lotado, a saudade.

Passou por muitos lugares. Conheceu uma cidade de ruas arborizadas, pequenas vilas, jardins floridos, casas com ares de interior, escondidas atrás de uma São Paulo embrutecida, de peso e pedra. Sentiu-se mais sol, mais puro, mais livre.

Os músculos do homem estavam exauridos, as pernas fatigadas, mas a cabeça leve. Ele precisava continuar a correr para afastar os problemas. Impossível parar.

Até que as câimbras alcançaram os joelhos. O ácido lático tomou-lhe de assalto e o coração quase lhe escapou pela garganta. Caiu estatelado na calçada, imóvel.

Mas o céu permanecia azul. Azul e lindo!

(por Eduardo Shor)

sábado, 3 de outubro de 2009

Céu Azul

O homem queria correr pela cidade. Quem sabe, treinar para a São Silvestre? De fato, queria correr para esquecer as preocupações. Não para fugir delas. Na linguagem moderna, desestressar. Deixar a cabeça leve. Aproveitou o dia em que o sol iluminou São Paulo. Fez-se azul no céu como, há muito, as previsões meteorológicas não azulavam. Vestiu short de pano fino, que lhe alcançava metade das coxas. Camisa. Calçou tênis confortáveis.

Não dava as passadas longas, firmes e azuis desde os tempos em que treinava nas areias de Copacabana, na adolescência. Naquela época, corria para obter o melhor tempo e aquecer o sonho de se tornar atleta. O tempo passou, o sonho esfriou.

Alongou-se. Sentiu o estalar das articulações como o quebrar de uma vareta de bambu. Desenferrujava-se. Deu dez pulos no mesmo lugar, tentando alcançar o abdômen com os joelhos. A barriga dificultou. Já suava, quando começou a correr pelas estreitas calçadas da Marginal Pinheiros, na altura da estação de Jurubatuba.

O sol ganhava cada vez mais brilho. O céu de São Paulo, sem nuvens, parecia que tinha espantado também a poluição. O homem pretendia correr durante quinze minutos, para recuperar o ritmo do exercício aos poucos. No entanto, os problemas foram se afastando de tal maneira do pensamento que ele não quis mais parar de correr. De minuto a minuto, sua cabeça foi ficando igual ao céu. Espaçosa, azul e sem nuvens (continua amanhã).

(por Eduardo Shor)

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

De palavra em palavra...

O Nóis em Sampa ganhou destaque no blog De palavra em palavra... do jornalista Ademir Ribeiro (clique na imagem, para ampliar), que exerce a função de repórter em São José dos Campos, com participações especiais em telejornais da Rede Globo. Em 2003, saiu do Rio de Janeiro para trabalhar em Taubaté, no interior de São Paulo. Em 2006, mudou-se para São José dos Campos. Aos 28 anos, já foi apresentador, participou de programas da TV Vanguarda e atuou durante dois meses como repórter da GloboNews, em São Paulo.